Inspirado por Pilar Jerico
Num quadro de instabilidade crescente – nomeadamente económica e social – com uma precarização dos relacionamentos – laborais, afectivos, grupais – que lugares poderão encontrar para o compromisso (“commitment”), para aquele sentimento de dedicação profunda, de envolvimento, de alegria?
Esta é hoje uma questão recorrente.
Preocupa as famílias e, acima de tudo, as empresas.
Como e de que forma é possível pedir a alguém que se comprometa – com um projecto, com uma ideia, com os colegas, com o líder – quando as pessoas vivem num quadro onde o medo – gerado pela precarização dos relacionamentos – assume um papel predominante?
Sim, as pessoas andam com medo.
Medo de perder a família, medo de não poderem continuar a manter o mesmo estilo de vida, medo de perder a(o)s companheira(o)s, medo da insegurança, medo de perder o emprego ou o trabalho – ainda, e sobretudo, se precário. E este medo é interclassista. Afecta os que têm muito e os que pouco ou nada mantêm. Todos partilham, em forma diferentemente doseadas é evidente, o medo.
E sobre esta problemática, encontramos diversos posicionamentos.
Para uns, deve evitar-se ter medo (como se isso fosse possível e aconselhável), para outros, devemos aprender a geri-lo e, para outros ainda – para não me resumir a uma visão bipolar tão comum nos dias de hoje – devemos ultrapassar o medo, ou seja, deixar de senti-lo.
Ora, o medo é um sentimento essencial à sobrevivência da espécie humana. Sem o medo, já as nações se teriam destruído pela via nuclear e cada um de nós, caso esse cataclismo não ocorresse, dificilmente sobreviveríamos sem o medo. Saltaríamos de uma alta montanha, atravessávamos a auto-estrada a passo de caracol e não combateríamos o ridículo.
E como sentimento humano e ainda por cima necessário à sobrevivência, ainda bem que temos medo. Todavia, o quadro de instabilidade e de insegurança atrás referido, tem trazido um novo tipo de medo – antinatural – que é um medo patológico (doentio). Já não é sentir medo, mas ter medo, de forma quase permanente, bloqueadora, que castra a própria vida.
E é esta forma sofredora de ter medo que impede o estabelecimento do compromisso no sentido positivo.
Quando uma empresa ameaça permanentemente os seus trabalhadores da possibilidade de encerramento ou de rescisão do seu contrato a termo certo, chamando a atenção do trabalhador dos efeitos que a perda do salário pode ter na sua vida, mais não faz do que apelar ao ter medo e gera, com isso, uma atitude de compromisso sim, com esse mesmo medo quase irracional e não com qualquer projecto ou ideia. Nestes casos é completamente hipócrita falar do tão conhecido chavão do “vestir a camisola”, pois “vestir a camisola” (a não ser que ofereçam tshirts) neste contexto é completamente impossível. O trabalhador pode fazer uma representação social mais ou menos convincente de está envolvido com a empresa, mas, de facto, está de um sentimento de quase pavor, que é o mais próximo do ter medo.
O que devem então as empresas fazer para aprender a lidar com esta dicotomia aparentemente inultrapassável de necessitarem de um compromisso por parte dos seus trabalhadores e ao mesmo tempo estes sentirem medo?
Em primeiro lugar, perceberem e entenderem – através do seu discurso, do discurso dos seus dirigentes e da sua prática instrumental – que gerar medo não vai conduzir ao compromisso. Gerar medo nos trabalhadores assume forma de manipulação dos sentimentos e, por essa via, só vão provocar o ter medo!
A resposta dos trabalhadores será uma representação dos seus papéis sociais orientada para aquilo que a empresa diz que espera deles, mas sem que se estabeleça verdadeiro compromisso.
Já é suficiente sentir medo. Ninguém precisa que lhe façam ter medo!
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