Em 1950, realizou-se em Washington, o I Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros.
O Prof. Jorge Dias, português, Antropólogo, segundo muitos o único verdadeiro Antropólogo que até hoje tivemos, apresentou uma Comunicação intitulada “Os elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa”.
Nunca tinha ouvido falar do Prof. Jorge Dias, até há uma semana, quando, estando a trabalhar nos Açores – em Angra do Heroísmo – me atrevi, no decurso do trabalho, a dissertar um pouco sobre a cultura e a gestão, tema que me vem apaixonando e sobre o qual tive oportunidade de, recentemente, proferir uma Conferência em Lisboa.
O trabalho que estive a realizar, incidiu sobre o desenvolvimento de capacidades pessoais para Dirigentes da Administração Pública Regional, e trabalhei em contexto de Formação.
Um dos participantes, o Francisco, mais precisamente, o Dr. Francisco Maduro Dias, Director do Gabinete responsável pela preservação do Património Histórico da Cidade de Angra do Heroísmo – cidade Património Mundial - teve uma performance assinalável.
Ouviu-me falar, comentou, tomou notas, envolveu-se no debate e, no dia seguinte, pela manhã, brindou-me com fotocópias da Comunicação atrás referida.
É um documento notável, pela simplicidade e lucidez da análise, bem como pelo rigor da pesquisa efectuada e o a-propósito dos comentários á margem.
Num acto de grande humildade, começa o Prof. Jorge Dias por afirmar que, devido ao estado actual (em 1950) dos conhecimentos, não era possível desenvolver satisfatoriamente o tema, afirmando que, estabelecer os elementos fundamentais de uma cultura, é o fim máximo a que a antropologia cultural (ou etnologia) se propõe.
É, afirma na sua comunicação, “…a cúpula de um edifício que ainda está nos alicerces”.
Confesso que, linha a linha, a minha surpresa se avolumava, ao ler o texto que estava a descobrir. Confirmava dados e conhecimentos empíricos, apreciava a dissertação rigorosa sobre a pesquisa, sorria perante o sentido de análise fino e conhecedor da alma portuguesa, esquecido que estava de estar a olhar para um documento com perto de meio século.
Consoante avançava na leitura, mais a adrenalina subia e, quando terminei, senti a alegria de compartilhar retroactivamente aquela fantástica análise.
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Quem corre o país e os países de forte emigração portuguesa, e se interroga sobre as diferentes formas de ser e estar que os portugueses revelam, sente, de forma muito clara, as diferentes influências e origens que formaram e continuam a formar este nosso jeito de ser.
Capacidade de improvisação – ou melhor, de desenrascanço, visto que o improviso, muitas, vezes, dá trabalho a preparar – medo do ridículo, sentido gregário, capacidade de adaptação a novas situações, afabilidade para com estranhos, capacidade notável de comunicação, expansividade, são características que, no conjunto, formam aquilo a que se pode chamar a “personalidade base” do povo português, esteja ele onde estiver.
Muitas outras características podiam aqui ser apontadas, mas já não seriam características gerais. Seriam sim, características típicas da cultura de uma dada região, pois, por vezes, numa atitude simplista, temos tendência a considerar como gerais, características que só se encontram em espaços geográficos perfeitamente localizados.
E, no plano cultural, Portugal é, claramente, um país assimétrico, plural, com grandes variações de região para região, correspondendo, grosso modo, ás origens étnicas e rácicas – celtas, iberos, romanos, mouros, berberes, etc. . – e também ás influências – galegas, andaluzas, germânicas, inglesas – que, ao longo da nossa história, foram moldando este nosso jeito de ser, que hoje devemos assumir com orgulho.
Porque é distintivo, porque é único, porque é nosso. Nós somos assim, pronto!
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Existe, concerteza, uma forma de ser, nacional, ou seja, que está acima de todas as diferenças e assimetrias que podemos encontrar. Está consubstanciada naquilo a que chamei atrás a nossa “personalidade-base”. (Encontram-se, porém, grandes variações, consoante estamos em Portugal, ou no estrangeiro. Dentro do País não nos valorizamos suficientemente – nem o que é nosso – mas, quando fora das fronteiras, erguemos a bandeirinha portuguesa do orgulho e o que antes era mau, passa a ser óptimo) .
Mas essa forma de ser nacional, ia dizendo - e recorro ao trabalho já citado - tem como elo de ligação histórico, o mar, o litoral. Mas, durante muito tempo, confundiu-se esse elo com o todo e, de certa forma, não se respeitaram as diferenças culturais regionais e locais.
Numa União Europeia que avança galopante, só podemos ser cidadãos europeus se formos, em primeiro lugar, cidadãos da nossa região e, depois, cidadãos do nosso país. A identidade europeia terá que ter, também, uma “personalidade-base”, generalista, deixando espaço de afirmação da diferença e da diversidade. É essa, no fundo, a grande riqueza da Europa.
A “homogeneidade cultural permanente”, como lhe chama o Prof. Jorge Dias, apesar de constituir, verdadeiramente, o núcleo central do sentimento de pertença, não pode absorver, aniquilando, as culturas e as formas de ser, regionais, antes deve estimular a afirmação dos diversos jeitos de ser, das diversas formas, dos diferentes feitios.
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Mas vejamos, de uma forma um pouco mais desenvolvida, o que é, em linhas gerais, este nosso jeito de ser, numa interpretação muito pessoal e com algumas achegas da obra atrás referida.
Tentarei definir, quanto ás características-base, o que “é” o cidadão português. Assim,
O português é …
Um misto de sonhador e de homem de acção, ou seja, um sonhador activo com sentido prático e realista. Alimenta-se do sonho, porque é mais idealista, emotivo e imaginativo do que homem de reflexão.
Despreza o interesse mesquinho e o utilitarismo puro, mas, paradoxalmente, cultiva o gosto pela ostentação e pelo luxo.
É profundamente humano, sensível, amoroso e bondoso, sem ser fraco.
Não gosta de fazer sofrer e evita os conflitos, mas, ferido no seu orgulho, pode ser violento e cruel.
Possui forte crença no milagre e nas soluções milagrosas, mesmo sabendo que elas não vão acontecer.
Sem perder o seu carácter, adapta-se facilmente a novas ideias, coisas e seres.
Tem um vivo sentido telúrico e um fundo contemplativo e poético em relação á natureza.
É um pouco inibido, por vezes, devido ao grande medo da opinião alheia e de cair no ridículo.
Apesar de fortemente individualista, possui um fundo de solidariedade humana, notável.
Não tem grande sentido de humor, mas revela uma ironia e um espírito trocista por vezes tocante.
Tem um sentido exagerado da crítica e emite juízos por tudo e por nada.
É fatalista, poético e aventureiro, expressando a contradição desses sentimentos através da saudade e da inquietude.
Tem enormes qualidades de abnegação, sacrifício e coragem.
Não sabe viver sem sonho e sem glória, ambicionando sempre poder ser herói de qualquer coisa.
O que antecede, não pretende ser uma definição de grande sentido científico, antes se enquadra numa visão muito prática, muito cheia de senso-comum, daquilo que uns têm chamado a alma portuguesa e outros, talvez mais eruditos, a personalidade do povo português.
Apesar disso,. não deixa de ser um bom instrumento de reflexão.
É este o nosso jeito de ser, a nossa forma, o nosso feitio.
Vamos aprender a gostar de ser assim!
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