segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Eduardo Prado Coelho - pouco antes da morte!

“A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como
 Cavaco, Durão e Guterres.
 Agora dizemos que Sócrates não serve.
 E o que vier depois de Sócrates também não servirá para  nada.
 Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que
 foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.
 O problema está em nós. Nós como povo.
 Nós como matéria prima de um país.
 Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre
 valorizada, tanto ou mais do que o euro.
 Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.
 Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas  caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ  JORNAL,  DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
 Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras
 particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa,
 como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, lips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos ....e para eles mesmos.
 Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque
 conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda
 a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.
 Pertenço a um país:
 - Onde a falta de pontualidade é um hábito;
 - Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano.
 - Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e, depois, reclamam do governo por não limpar os esgotos.
 - Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros.
 - Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é 'muito chato ter que ler') e não há consciência nem memória política, histórica nem económica.
 - Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar
 projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe
 média e beneficiar alguns.
 Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas
 podem ser 'compradas', sem se fazer qualquer exame.
 - Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma
 criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto
 a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar.
 - Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão.
 - Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a
 criticar os nossos governantes.
 Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor
 me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de
 trânsito para não ser multado.
 Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.
 Não. Não. Não. Já basta.
 Como 'matéria prima' de um país, temos muitas coisas boas, mas falta
 muito para sermos os homens e as mulheres que o nosso país precisa.
 Esses defeitos, essa 'CHICO-ESPERTICE  PORTUGUESA' congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até se
 converter em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade
 humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é
 real e honestamente má, porque todos eles são portugueses
 como nós,  ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra parte...
 Fico triste.
 Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o
 suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria prima
 defeituosa que, como povo, somos nós mesmos.
 E não poderá fazer nada...
 Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas
 enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar
 primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá.
 Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, nem serve
 Sócrates e nem servirá o que vier.
 Qual é a alternativa?
 Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a
 força e por meio do terror?
 Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa 'outra coisa' não comece a
 surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os
 lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados,
 igualmente estancados....igualmente abusados!
 É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone
 começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento
 como Nação, então tudo muda...
 Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam
 um messias.
 Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada Poderá fazer.
 Está muito claro... Somos nós que temos que mudar.
 Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a acontecer-nos:
 Desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e,
 francamente, somos tolerantes com o fracasso.
 É a indústria da desculpa e da estupidez.
 Agora, depois desta mensagem, francamente, decidi procurar o responsável, não para o castigar, mas para lhe exigir (sim, exigir)  que melhore o seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido.
 Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO DE QUE O
 ENCONTRAREI  QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO.
 AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.
 E você, o que pensa?.... *MEDITE*!”

EDUARDO PRADO COELHO, in Jornal Público, 25.08.07

Sem comentários: