terça-feira, 28 de abril de 2009

Ética e Responsabilidade Social em Tempos de Crise!

            A actual situação de crise financeira – que já resvalou para uma crise económica com efeitos devastadores – é consequência directa de modelos de gestão centrados na obtenção de resultados financeiros de curto prazo a qualquer custo.

            Cosmética financeira, passar custos fixos para custos variáveis permanentes aumentando a estrutura de custos das empresas, manipulação das cotações bolsistas, criação de fundos de investimento baseados não em valor real mas em valor fictício, modelos de governance desadequados e não controlados, créditos concedidos com base em premissas falsas, circulação de capitais em turnaround, exportação ilícita de capitais para paraísos fiscais, falseação do valor das matérias-primas e das moedas, padrões de consumo excessivo, produção orientada para a substituição permanente dos bens, deslumbramento com a alta finança, tudo isto caracteriza um economia de casino, sem qualquer verdadeiro sustentáculo na economia real.

            Milhões de pessoas estão a ser afectadas nos países europeus – a OCDE prevê mais 20 a 30 milhões de desempregados em 2009 – e a fome, a miséria e a doença alastram pelos países mais pobres de África.

            Aumenta em exponencial o número de pessoas que vive com menos de um dólar por dia.

            A produção está a cair – estima-se que, em termos médios, a produção de bens de consumo caia 50% em 2008 relativamente a 2007 – e nem mesmo os grandes grupos económicos escapam. A Toyota, pela primeira vez em 71 anos, anunciou resultados negativos.

            As expectativas – pois não é possível, no quadro actual, efectuar previsões, dado que não existem modelos econométricos que o possibilitem – são muito amargas.

            O primeiro trimestre de 2009 vai trazer ainda mais notícias de desemprego, de encerramento de empresas, de rupturas financeiras em grandes conglomerados, de nacionalizações, de grandes e gravosas reestruturações, de falta de produtos nos principais mercados mundiais.

§   

            Porque está a acontecer tudo isto?

            Em primeiro lugar porque não existe uma regulação ética capaz de se sobrepor à regulação económica, política e jurídica.

            Em segundo lugar, porque os modelos de desenvolvimento económico num quadro de globalização, estimulam a ganância e a acumulação de riqueza para níveis que nunca tinham sido antes observados.

            Em terceiro lugar porque o modelo de globalização criou autênticas iniquidades na distribuição da riqueza: de 1960 a 2002 o rendimento “per capita” nos 20 países mais ricos do mundo triplicou. Nos 20 países mais pobres e durante o mesmo período passou de 212 dólares para 267.

            Ou seja, a crise actual é também uma crise do modelo económico e financeiro que, devido à acumulação de riqueza numa minoria está a matar a possibilidade de subsistir.

            E tudo isto tem acontecido num momento em que nunca se falou tanto de Ética e de Responsabilidade Social.

            Mas que Ética e Responsabilidade Social temos tido?

            Integrada nas políticas de comunicação dos grandes grupos económicos, baseada em práticas isoladas e muitas vezes hipócritas, centrada no mecenato (verdadeiro negócio financeiro) na caridadezinha e na filantropia, ou seja, sem colocar em causa, verdadeiramente, os alicerces dos modelos de gestão, das práticas de gestão e dos modelos de negócio. Tem sido uma Ética e uma Responsabilidade Social entendida como oportunidade de negócio para alguns à custa da manipulação da consciência de muitos, como aliás, ainda recentemente, tivemos exemplos gritantes em Portugal.

            Precisamos de uma outra abordagem ética e de outros níveis de responsabilidade social, onde as questões do bem comum se sobreponham à ganância e ao oportunismo.

            Precisamos de uma Estratégia Nacional de Responsabilidade Social (ENRS) que considere a criação de uma Autoridade de Controlo das Práticas Éticas.

            Precisamos de combater todos os oportunismos que, em nome da Responsabilidade Social, têm surgido nos últimos tempos. A Europa tem uma visão específica da Responsabilidade Social, consubstanciada no respectivo Livro Verde, que urge pôr em prática no plano legislativo.

            Precisamos de uma etiqueta ética e de responsabilidade social para os produtos e serviços, controlada por uma Autoridade de Controlo estatal, que garanta aos cidadãos a segurança necessária.

            Precisamos, enfim, de refundar a nossa abordagem dos problemas da ética e da responsabilidade social, deixando de a considerar um acto voluntário das empresas e organizações e transformando-a numa prática de cidadania obrigatória.

            A crise que aí está e a que aí vem constitui uma oportunidade fantástica, pois no futuro próximo só resistirá quem for capaz de se redefinir em novos moldes e em novas bases.

 

 

LUÍS BENTO

 

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